INDENIZAÇÃO NO BRASIL OU NA INGLATERRA: QUAL ESCOLHER?
A recente repactuação do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), conhecido como Acordo de Mariana, trouxe uma nova condição para os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015. Para terem acesso às indenizações previstas, os municípios e as pessoas afetadas devem desistir de todas as ações judiciais, tanto no Brasil quanto no exterior, incluindo o litígio bilionário que ocorre na Inglaterra, onde as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e a Fundação Renova são alvo de processos.
Segundo o documento, assinado na última sexta-feira (25), "A adesão a este acordo pelos municípios ou a participação nas iniciativas indenizatórias individuais pressupõe a desistência, retirada e/ou extinção das ações judiciais ajuizadas no exterior com pedidos formulados em decorrência do rompimento." Essa exigência tem sido alvo de críticas, principalmente por parte do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que argumenta: "É um dos nossos principais pontos de crítica ao acordo. A gente acha que não é justo o atingido ter que assinar a quitação final para a empresa e desistir da ação em Londres."
Um dos motivos que levou os atingidos a buscar a justiça internacional foi a falta de confiança na justiça e no governo brasileiro para uma reparação adequada e imparcial. Muitos acreditam que a complexidade do caso e as influências internas podem comprometer a imparcialidade dos julgamentos no Brasil. Nesse sentido, o processo na Inglaterra representa uma tentativa de garantir que o caso seja avaliado com maior rigor e sob uma perspectiva internacional.
A situação leva a uma reflexão essencial: é possível falar em justiça plena para os atingidos quando o acesso às indenizações depende da renúncia ao direito de buscar reparação em outras instâncias? O caso inglês, focado na responsabilidade global das empresas envolvidas, abre uma possibilidade de julgamento imparcial que, para muitos, pode trazer uma visão mais completa das consequências do desastre.
O silogismo aqui é claro: se a justiça depende da reparação integral e da responsabilização dos envolvidos, e se a desistência das ações pode comprometer essa reparação, então a justiça no Acordo de Mariana é, no mínimo, questionável. A repactuação do TTAC busca encerrar as disputas judiciais e agilizar as compensações, mas essa escolha coloca em jogo o conceito de justiça plena para as vítimas.
O caso de Mariana se apresenta, assim, como um verdadeiro teste para os limites da justiça e da responsabilidade social, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Até que ponto é justo exigir uma escolha entre compensação imediata e a busca por um julgamento global e isento?
Alerta aos Atingidos: Diante desse cenário, é fundamental que os atingidos decidam com calma e reflexão qual caminho tomar. Optar pela indenização no Brasil pode significar um processo mais rápido, mas implica a renúncia à possibilidade de julgamento na Inglaterra, onde muitos acreditam haver um ambiente mais propício à imparcialidade. Por outro lado, manter o processo internacional significa abrir mão das indenizações previstas no Brasil. Cada escolha exclui a outra, e é essencial que essa decisão seja tomada com clareza sobre os impactos de cada opção.
É uma situação complexa para as pessoas que precisam decidir qual caminho seguir. É uma situação difícil até mesmo para os juristas, visto que as duas possibilidades são repletas de incertezas e condições. Por isso, até o momento não existe uma resposta pronta, cada caso é um caso e precisará ser analisado isoladamente, levando-se em conta as particularidades de cada atingido. Uma conversa franca entre os advogados e clientes atingidos precisa acontecer e uma decisão deverá ser tomada pela pessoa atingida, titular do direito.
Diante de decisões difíceis, especialmente aquelas que nos colocam entre o que é certo e o que é necessário, é inevitável sentir o peso de cada escolha. Muitas vezes, somos tentados a escolher o caminho que trará um alívio imediato, uma solução rápida para nossos problemas, mas que pode ir contra nossos valores ou causar impactos duradouros.
Nesses momentos, é essencial parar e refletir: o que a nossa decisão hoje diz sobre o que realmente valorizamos? Como ela afetará não só o nosso presente, mas o futuro daqueles que amamos? Decidir com integridade significa carregar o peso do agora para cultivar um amanhã mais alinhado com quem queremos ser.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Constituição da República Federativa do Brasil - Artigo 225)
Essa escolha, ainda que árdua, pode fortalecer nosso senso de propósito e nos permitir enfrentar as consequências com a consciência de que seguimos o caminho certo.
Nesta data, a repactuação já foi assinada pelos Governos Federal e Estaduais, Empresas Poluidoras e Entidades envolvidas, mas precisa ser homologada pela justiça para que produza seus efeitos. É como diz o ditado popular: "ainda tem muita para passar embaixo da ponte." Esperamos que seja água limpa.
ANDERSON RAMIRES PESTANA
Advogado Ruralista
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais
Procurador do Sindicato Rural de São Mateus - ES